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"Piscianos são as águas universais das emoções. Eles choram, riem, sofrem, se alegram pelo que eles sentem, e levam tempo para descobrirem que também são assim pelo que os outros sentem. O universo inteiro de Peixes evolui em torno da sensiblidade e das emoções. São aquelas pessoas que irão trazer para casa os amigos sofridos e, os desconhecidos também. Se você tiver sorte, Peixes se controlará e apenas trará os animais abandonados que encontrou pelas esquinas da rua. E, a pureza emocional de Peixes é tamanha, que é difícil lhes dizer não. Este signo tem um elo de comunicação direto com as manifestações do invisível. A intuição, a sensitividade, a linguagem musical, a expressão criativa das pinturas, das artes em geral. Tudo que, através de formas não verbais ilustrem as emoções humanas. Peixes é o signo que consegue nos apontar o divino em cada um de nós. E, por pertencerem a um universo pessoal tão solúvel e sem fronteiras, são pessoas adaptáveis, e podem se sentir à vontade em qualquer lugar. Na realidade, é assim porque carregam seu rico mundo interno para onde vão. Caminham pela vida, sonhando e devaneando com um mundo melhor."

23 de setembro de 2010

O QUE QUERO É FOME

(Rubem Alves)

"Conheço muitos testes de inteligência. Não conheço nenhum teste de sabedoria. É importante saber a diferença entre essas duas, inteligência e sabedoria, frequentemente confundidas. A inteligência é nossa capacidade de conhecer e manipular o mundo. Ela tem a ver com o poder. A sabedoria é a graça de saborear o mundo. Ela tem a ver com a felicidade. As escolas se dedicam a desenvolver a avaliar a inteligência. Para isso desenvolveram testes. Os testes avaliam a inteligência dos alunos por meio de números. Mas elas nada sabem sobre a sabedoria, e nem elaboraram testes para avaliá-la. Nas escolas e universidades muitos tolos são aprovados cum laude. A inteligência é muito importante. Ela nos dá meios para viver. Mas somente a sabedoria é capaz de nos dar razões para viver. Muitas pessoas se suicidam porque, tendo todos os meios para viver ,não tinham as razões para viver.

Proponho-lhe um teste de sabedoria. Ele é muito simples. O seu aniversário está chegando. Você já não é mais jovem. O espelho lhe revela coisas que você não gostaria de saber. Diante da sua imagem no espelho existe sempre o perigo de que uma magia perversa aconteça, e você seja repentinamente transformado em bruxa ou ogro – tal como aconteceu com a madrasta da Branca de Neve. Em desespero, você invoca os deuses. Eles vêm em seu socorro e lhe dizem que atenderão a um desejo seu, a um único desejo. Que súplica você lhes faria?

Digo-lhe que essa seria a hora da pureza de coração, quando todos os supérfluos têm de ser deixados de lado. “Pureza de coração” – assim desse Kierkegaard, meu querido filósofo solitário, companheiro já morto; por vezes os mortos são companhia melhor que os vivos, porque falam menos e ouvem mais -, pureza de coração, ele disse, “é desejar uma só coisa”. Digo que isso é sabedoria, mas pode parecer mais coisa de neurótico obsessivo, ficar querendo uma coisa só, o tempo todo. Você entenderá o que digo se você prestar atenção no vôo dos pássaros. E para ajudá-lo nesse dever de casa, transcrevo o que Camus pensou, ao observá-los. “Se durante o dia o vôo dos pássaros parece sempre sem destino, à noite, dir-se-ia reencontrar sempre uma finalidade. Voam para alguma coisa. Assim talvez, na noite da vida.....” O texto termina assim, com essas reticências que, segundo Mário Quintana, são o caminho que o pensamento deve continuar seguir. Assim é o coração. Há momentos na vida em que ele é como o vôo dos pássaros durante o dia: oscila em todas as direções, sem saber direito o que quer, ao sabor das dez mil coisas que o fascinam, tão desejáveis, cada uma delas uma taça de prazer. Chega um momento, entretanto, em que é preciso escolher uma direção – é preciso descobrir aquela palavra, aquela única palavra que dá nome ao nosso sofrimento, que nomeia a nossa nostalgia, para que saibamos para onde ir.

A Adélia Prado passou por esse teste. Disse ela no seu poema “O tempo”:

(...) Descobri que a seu tempo vão me chorar e esquecer. Vinte

anos mais vinte é o que tenho. Nesse exato momento do dia

vinte de julho de mil novecentos e setenta e seis, o céu é bruma,

está frio, estou feia, acabo de receber um beijo pelo correio.

Quarenta anos! Não quero faca nem queijo. Quero a fome.

A Adélia passou no teste. Ela sabia que seria inútil pedir um vestido novo ou uma operação plástica. Não existe nada que satisfaça o coração. As pessoas não acreditam. Pensam que existe algo que, se elas tiverem, as fará felizes. A felicidade se encontra depois de arranjar um emprego, depois de casar, depois de ter um filho, depois de comprar a casa, depois de comprar o carro, depois de ir ao States, depois de comprar outra casa, depois de comprar outro carro, depois de viajar à Europa. E assim a coisa vai, sem fim. Sempre depois, elas se sentirão felizes. Mas como a felicidade nunca chega, elas passam a vida inteira sendo levadas pela loucura das dez mil coisas. É sempre a mesma coisa: basta tocar o objeto desejado para compreender que não é bem assim.

Disse o Álvaro de Campos:

Dá-me lírios, lírios e rosas também. Dá-me rosas, rosas e lírios

também. Crisântemos, dálias, violeta, e os girassóis acima de

todas as flores. Dá-me às mancheias, por cima da alma, dá-me

rosas, rosas, e lírios também. Mas por mais rosas e lírios que

me dês, eu nuca acharei que a vida é bastante. Faltar-me-á

sempre qualquer coisa, sobrar-me-á sempre o que desejar.

Ela passou no teste. Fez a súplica sábia. Há um ditado que diz que a melhor comida é angu com fome. Que adianta o bufê servido com dez mil pratos se o corpo não deseja nenhum? Mas se existe a fome, feijão com arroz é uma alegria. Bem-aventurados os que têm fome....

Não parece – mas o que a Adélia fez foi uma oração. Ela rezou. Os poetas rezam sempre. Rezam sempre porque a poesia é coisa que se escreve diante do vazio, mínima refeição de palavras para matar uma fome que não pode ser matada. Os poetas sabem que é inútil que se comprem todas as coisas. Diferentemente daqueles que rezam para que Deus lhes encha a barriga, eles rezam para que nunca deixem de ter fome. Porque, se deixarem de ter fome, eles deixarão de ser poetas. Nada mais triste que um corpo sem desejo. Disso sabem muito bem os amantes. Vejam essa terrível oração de T. S. Eliot: “Salva-me, ó Deus, da dor do amor não satisfeito, e da dor muito maior do amor satisfeito”."


Que tenhamos fome para saborear o mundo!

E, mesmo engolindo alguns amargos, possamos enxergar a graça de todos os doces que encontramos pelo caminho.

Afinal, só conhecendo o azedo podemos nos deleitar com a docilidade da vida.



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